sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Cadeira

Querido Umbigo:

Eles chegam e sentam-se, sentam-se na cadeira em frente à minha secretária, a cadeira-divã...
E, portanto, eles chegam e sentam-se, sentam-se e começam a falar.
A falar do maravilhoso que foi, do grandiosos que são, da diferença que fazem...
E eles chegam, sentam-se e começam a falar... e falam, e falam, e falam...
Eles falam, mas não querem conversar.
Eu sou a Psicóloga e eles os pacientes, mas eles falam e não querem conversar.
Querem que alguém os oiça e confirme com acenos de cabeça a grandiosidade do seu ser...
E eles chegam, sentem-se e falam.
E assim passam os meus dias:
Eu, a cadeira divã e eles
Eles que chegam se sentam e começam a falar

3 comentários:

Joana Cunha disse...

Quando entrei na pequena sala de espera tinha um homem à minha frente. Igualmente passou por lá para debitar palavras e aguardava pacientemente a sua vez.
Entrei e dirigi-lhe um tímido "bom dia!". Aguardei retribuição em vão. Estava absorto na leitura de uma revista. Sentei-me no único lugar disponível perto da porta que dava para a sala dela, e aguardei.
Alguns minutos depois a porta abriu-se. Saiu uma mulher nova, não tinha mais de 30 anos. De resto aquela seria a idade média dos que por ali passavam. Só tive oportunidade de observar que o seu andar era fluído e daí depreendi que a consulta tinha corrido bem.
Ele aguardou uns segundos e bateu na porta. Ouviu-se a voz dela a conceder-lhe entrada. Atrás dele, com seria de esperar, a porta fechou-se tendo ainda tempo de ouvir o cumprimento.
Senti-me totalmente invisível. Nem naquele pequeno percurso do sofá à porta me dirigiu o olhar, um aceno, o que quer que fosse que fizesse denunciar a minha presença.
Tinha a sala só para mim! Levantei-me e por curiosidade agarrei exactamente na mesma revista que ele tinha largado segundos antes. Quis perceber o que prendia a sua atenção ao ponto de não perceber que estava acompanhado.
A revista, de jornal, tinha 4 anos. Era de 2005. Na primeira página podia ler-se um texto cujo titulo era "texto interdito a quem não fala muito" . A autora do texto comentava a sua incapacidade de estar calada, tecer comentários, guardar para si os factos importantes, a vontade incontrolável da partilha dos pormenores ocorridos nos últimos acontecimentos vividos.
Padeço do mesmo mal, pensei eu! Não tão violentamente, mas não há assunto que ouça que não me sinta impelida a comentá-lo. Mesmo não estando na posse dos detalhes, eu comento e disserto. Uma verdadeira verborreia mental.
Estaria aquela revista, já ela com 4 anos, naquela sala por alguma razão? Teria sido colocada propositadamente? Uma chamada de atenção, talvez?! Com ajuda do que li, percebi que o silêncio é uma arma "para a vida e para a felicidade", não o silêncio da ausência de palavras, o silêncio interrompido por palavras sensatas e partilhadas com a pessoa certa.
Vagueei por este tema tempo indeterminado. Talvez o mesmo tempo que o homem antes de mim. Percebi nesse instante que a revista estava lá com uma razão. Fora de certeza lá colocada para ser lida e relida, por todos quantos entrassem naquela sala.
A porta abriu-se de novo. Ele saiu. Gentilmente, quase como uma carícia, fechei a revista e coloquei-a na mesa da sala por cima de todas as outras. Olhei em volta e percebi que estava acompanhada. No cadeira que anteriormente tinha ocupado, estava lá agora sentada outra pessoa. Envergonhada por não ter percebido a companhia dirigi-me à porta entreaberta. Coloquei a cabeça lá dentro e vi-a, sentada à secretária, à sua frente a cadeira divã estava livre. Ela abriu o sorriso e convidou-me a sentar. "O que te trás por cá?". Olhei-a nos olhos e respondi-lhe: "Apetece-me conversar!"

MoiMêMê disse...

Joaninha, voa voa, obrigada pela visita e pelo comment.
Acho que entre a veborreia e o silêncio há que encontrar um meio termo.
E fui aprendendo, (já te disse e não acreditas-te, mas eu era uma pessoa profundamente silenciosa) que é importante deixar as coisas sairem cá para fora...
Mas não é só falar, é conversar, é dar e receber alguma coisa em troca...
beijooo

palavradarte disse...

Dra. Como me posso aconselhar agora com o seu umbigo visto que tem doberman's a porta?? faz consultas on-line?